Conto: Parte 3 - O Blues
Ronaldo esta deitado, uma música toca bem baixinho, ele a conhece muito bem, é a preferida de sua mãe. Ele não consegue se mexer, é quando sente um forte impacto. O safanão foi tão forte que
quase jogou Ronaldo para fora de sua cama.
- Acorda! Tamo atrasado!
Ronaldo, que estava com
dificuldades de levantar, desperta de repente, como se tivesse levado
um choque.
- Que horas são?
- São horas de “ou se levanta e
corre, ou perde a aula do Olaf”, nem sei porque coloca alarme no celular se não consegue levantar na hora! - Respondeu Dimitri, seu colega de
alojamento e melhor amigo.
Como um raio, o rapaz pula da cama
já recitando seu conhecido mantra para essas horas.
- Não não não não não não
não!
Dimitri não consegue esconder que
se diverte com o desespero do amigo. Nunca viu uma pessoa mais
relaxada com horários do que o rapaz que veio do Brasil para
completar seus estudos em física quântica. Pouco tempo depois os
dois já estão a caminho do prédio da Faculdade de Física.
Mantinham o passo apressado para chegar o quanto antes, quase
corriam. O lugar estava cheio.
- Te avisei que aquela vodca
derrubava até um urso, mas você tem que dar uma de valente!
“Não! Ô soviet, cansei de
beber cachaça de alambique! Não vai ser uma vodca que vai me
derrubar!
Dizia o Dimitri imitando a voz de
Ronaldo.
- Tá bom! Tá Bom! Me enganei,
aquele troço derruba até um mamute! Ai, minha cabeça! Ressaca desgraçada!
- Olha quem tá na porta te
esperando.
Ronaldo viu uma garota com longos
cabelos loiros e sua característica jaqueta de couro esperando por
eles no alto da escadaria do prédio, perto da porta de entrada. Era
Iliana.
- Ela falou que não ia mais
livrar sua cara com o Olaf. É melhor correr, ela não tá com uma
cara boa.
Ouvindo isso, Ronaldo resolve
disparar deixando o amigo para trás. Subiu as escadarias saltando os
degraus, chegando rapidamente até a garota. Ela estava com uma
expressão séria no rosto.
- Está atrasado, de novo.
- Não tô, não! Tenho uns... 3
minutos. - Respondeu Ronaldo com um sorriso maroto no rosto.
A garota esboçou um sorriso no
canto da boca. Ela não resistia àquela irreverência do rapaz
brasileiro. Se voltou para a entrada, puxando o rapaz junto com ela.
Já estava dentro do edifício quando Ronaldo dá meia volta.
-Espera! O Dimitri já está
chegando…
Ronaldo se voltou para o amigo, que
chegava ao pé da escada, apenas para vê-lo desaparecer envolto em
uma luz branca intensa que surgira do nada. O casal mal teve tempo para proteger os olhos. Sentiram um leve tremor seguido do
ribombar de trovões ensurdecedores. Era uma luz estranha, não era
rápida como um raio era mais como se uma lâmpada tivesse sido
ligada e desligada instantes depois. O clarão durou alguns
centésimos de segundo. Quando se foi, o céu estava estranho,
avermelhado. Olhando para o pátio a frente do prédio, Ronaldo não
viu mais ninguém. Haviam centenas de estudantes e funcionários
circulando pelo espaço naquela hora, agora só podia se ver manchas
negras onde estavam segundos atrás.
Ronaldo se volta atônito para o
local onde havia visto seu amigo pela última vez, na esperança de
ver que ele se salvara no instante final, mas tudo o que ele vê é
uma mancha escura no chão, no exato local onde Dimitri fora atingido
pela luz.
Então, tudo escurece.
* * *
Ronaldo abre os olhos. Sua cabeça
está pesada. Não consegue se lembrar há quanto tempo está deitado
em sua cama. Teve o sonho de novo. É sempre o mesmo, toda vez. Ele
se sente muito mal. Porque toda vez que dorme, acha que vai acordar
daquele pesadelo, só que ao envés disso, ele vê seu amigo morrer novamente. Mas hoje é
diferente, o pesar é ainda maior.
Com esforço ele se senta em sua
cama improvisada. Fica olhando para o vazio por alguns instantes. Faz
menção de se levantar e para.
“Ah! Levantar pra que?” –
pensa. – “Você vai morrer sozinho aqui nesse inferno! Quem sabe
já não esteja morto e esta seja sua punição eterna...”
Nesse instante ele dá um sorriso
desanimado. Ele nunca foi muito religioso, mas sua mãe sim, e pensar
nessas coisas o ajudava a lembrar dela, que morrera anos antes,
vítima de câncer. Mas, mesmo sofrendo por causa da doença ela
sempre tinha uma palavra de esperança para o filho.
“Não importa o quão escuro o
céu pareça, ou quão forte os ventos soprem. Deixe estar. Tudo vai
ficar bem.”
Nesse instante, sua atenção se
volta para um caderno de capa de couro vermelha perto do travesseiro.
É um caderno velho, carcomido pelo tempo. Ele não tinha essa
aparência há três meses. Era novo em folha. Ele se lembra bem
disso pois foi ele mesmo quem o deu a sua namorada, quando da partida
do módulo.
Foi a única coisa que Ronaldo
tirou do velho ônibus. Haviam vários objetos espalhados pelo
veículo, mas nenhum corpo. Todos haviam desaparecido e, ao que
parece há muito tempo. Só de pensar naquilo A cabeça de Ronaldo
latejava.
O que estava acontecendo naquele
lugar? Como um ônibus que saiu há 90 dias pode estar tão
deteriorado? Foi realmente um milagre o motor do veículo ter
funcionado a ponto de poder voltar para o ponto de partida.
Com cuidado, o rapaz folheia o
caderno até a última anotação. Parece que eles ficaram um bom
tempo andando no ônibus em busca da fonte do sinal de rádio que
haviam detectado. Mas tudo o que viam era névoa espessa. Algumas
anotações fazem menções a criaturas e vultos na névoa, nada
conclusivo mas, com certeza tem alguma coisa perambulando na
Fronteira.
Aquilo deixou Ronaldo preocupado.
Nunca vira movimento algum desde que ficou sozinho. Mas agora,
sabendo daquilo, ele ficou imaginado o que impedia as criaturas de
saírem da névoa?
Enfim,
encontrou a anotação que desejava. Ele a encontrara na noite
anterior, pelo menos era o que ele se lembrava. Após algumas páginas
em branco, havia apenas uma frase, escrita em letras grandes, “É
TUDO NOSSA CULPA”. Ronaldo estremeceu, da mesma maneira de quando a
leu pela primeira vez.
Num primeiro momento ele não
entendeu nada, após algum tempo pensando, ele chegou a conclusão de
que o tal clarão pode ter sido provocado. A possibilidade de aquilo
tudo ter acontecido por causa de algo causado pelo homem deixava
Ronaldo desconfortável. Seria tudo um desastre causado por algum
experimento realizado o campus? Até onde ele sabia, A Universidade
não contava com laboratórios de ponta. A não ser o que deu origem
ao gerador de arco que agora supre os prédios de energia, mas o
gerador não poderia ser a fonte do clarão, já que ele estava a
pleno funcionamento há alguns meses.
Outra coisa que chamou a atenção
de Ronaldo, foi a grafia da frase, lembrava a de Iliana, mas parecia
ter sido escrita por uma pessoa mais velha, seu trasso era mais
sinuoso, como se quem escreveu não tivesse a firmeza na mão que
tinha enquanto mais jovem. E levando em consideração o estado do
ônibus, é de se deduzir que o tempo passou muito mais rápido fora
do campus do que lá dentro. O nó que isso dava na cabeça do rapaz
só piorava sua situação.
“Será que todos morreram de
velhice?” - Era o que o jovem se perguntava e, pela primeira vez em
muito tempo, ele se sentiu realmente sozinho.
Nesse momento ele sentiu um
desconforto, se lembrou que não comia há dias, seu estômago já
estava reclamando há algum tempo. Se levantou e foi até o
refeitório, preparou alguma coisa e engoliu. Ao sair de lá percebeu
que, inconscientemente estava pegando o caminho da Sala de Controle.
Era o que fazia todos os dias mas, agora não havia mais motivos para ir
até lá, só que, por algum motivo, ele se sentia atraído para aquele
lugar.
Se lembrou daquela sensação
estranha que sentira dias antes, no corredor. Um frio percorreu sua
espinha, ao lembrar do fato. Imediatamente ele ligou esse
acontecimento à falha na telemetria o que deu início a tudo o que
acontecera desde então. Estava tudo isso ligado? O que viria a
seguir? Seguindo seu instinto, ele decidiu continuar o caminho até
seu antigo posto de vigilância.
Ao passar por uma grande janela
que deixava a claridade de fora iluminar o corredor, estacou, deu uma
olhada para fora, algo chamara sua atenção. Um movimento? Um vulto?
Não havia vento. Ronaldo ficou tenso. Ficou ali alguns minutos, não
percebeu nenhuma mudança. Por fim, continuou seu caminho mas, não
sem antes decidir trancar as postas do edifício.
Ao chegar na porta da sala
percebeu que deixara o player de áudio ligado. O rapaz revirou os
olhos, não aguentava mais escutar os hits dos anos 80 de seu
professor. Abriu a porta entrando na sala como de costume. Foi quando
ele levou um dos maiores sustos da sua vida.
As paredes da sala estavam
cobertas de equações! Equações que Ronaldo mal podiam reconhecer.
Nunca tinha visto algo parecido. Mas o que mais deixava o rapaz
apavorado era não saber quem teria feito aquilo. Ele ficou ali
parado no meio da sala olhando as fórmulas matemáticas. Percebeu
que algumas haviam sido propostas por Einstein, outras eram mais
recentes, como as que deduziram a existência da quarta dimensão do
espaço.
- A gravidade… Ela é a chave! -
Balbuciou Ronaldo.
Mas havia mais alguma coisa o
incomodando. Saindo de seu transe inicial, Ronaldo notou algo
diferente. A música que tocava no aparelho de som, não fazia parte
da seleção do professor Olaf. Still Got the Blues, do Gary Moore,
era a música preferida de sua mãe, e ele tinha certeza que aquela
faixa não estava na memória do player. Ronaldo se virou para a mesa
onde os aparelhos estavam instalados, pegou o aparelho digital e
olhou o display buscando informações de quando aquele arquivo havia
sido inserido na playlist. Estava com toda a sua atenção voltada
nisso quando...
- Você veio, finalmente!
… ai sim, ele levou o maior
susto da sua vida.
Continua...
A Parte 4 já esta no Ar!
Conto: Parte 3 - O Blues
Reviewed by Tulio Roberto
on
11/23/2016 09:20:00 AM
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