Quando Decidi Abandonar os Quadrinhos...


Leio quadrinhos desde bem cedo.

Quando tinha cerca 7 ou 8 anos fiquei doente e precisei ficar em casa, de repouso por uns 30 dias. Me lembro bem daquele dia. Fomos ao médico e, na saída, eu e minha mãe paramos em uma banca de jornais e ela disse algo como:

“Já que você vai ficar 30 dias em casa, vou comprar uns gibis pra você ler. Qual você quer?”

Para desespero dela, o primeiro que eu peguei foi uma Super Aventuras Marvel cuja capa mostrava em destaque o Noturno, dos X-Men. Naquele momento eu nem sabia quem era o personagem, nem sabia quem eram os X-Men!

Não é necessário dizer que ela vetou instantaneamente. E acabei ficando com Turma da Mônica, quadrinhos Disney e alguns da Hanna Barbera, mas quela imagem de um ser de pele escura e orelhas pontudas ficou na minha mente. Minha mãe não sabia, mas ela tinha acabado de acender a fagulha que deu início à minha paixão pela 9ª Arte. Depois disso, lia todo tipo de quadrinhos que conseguia ter acesso. Como não recebia mesada, desenvolvi o péssimo hábito de folhear as revistas nas bancas, para desespero do dono.

Já um pouco mais velho, fiz amizade com uma galera que era bem eclética em termos de gosto, e entre eles haviam dois leitores fanáticos de quadrinhos, o Serjão,  que já mencionei aqui e o Alessandro. Os dois eram donos de uma coleção respeitável. A partir dali, me tornei um leitor regular de quadrinhos, especialmente Marvel. E assim foi pelo resto dos anos 80 e início dos anos 90, e foi aí que as coisas começaram a mudar….

Na verdade a mudança já havia começado lá em 85 quando a DC, vendo a zona que era seu universo, ou melhor, seu multiverso de quadrinhos resolver botar ordem na bagunça. A Solução foi criar uma mega-saga, coisa inédita até então, envolvendo reboots, mortes e reformulações de seus personagens. A Crise nas Infinitas Terras instaurou um novo paradigma na indústria, os eventos anuais.

As editoras perceberam que esses eventos vendiam revistas como água no deserto, então todo ano tinha que haver um crossover que juntasse um exército de heróis ou uma saga que mudasse drasticamente o Status Quo de algum personagem. Então tivemos obras como Guerras Secretas, Millennium, Atos de Vingança, a Morte e o Retorno do Superman e vários outros. Só que não dá pra tirar um coelho da cartola uma vez após a outra e ainda assim surpreender o publico da mesma maneira como a primeira vez. E com a banalização desses eventos o impacto foi ficando cada vez menor.



Qual era a solução? Melhorar os roteiros? Investir em novos temas?

"Não! Vamos criar retcons!" - Foi a resposta dos editores.

Retcon, ou Continuidade Retroativa, é quando se pega determinado momento da vida de um personagem, contado anos atrás, e se altera algo ali que muda o status atual do personagem. Por exemplo, Goku descobre que seu avô de criação, Gohan, na verdade era o mestre Kame disfarçado e fingiu sua morte para correr atrás de garotas. E muitas vezes esse recurso foi usado mal e porcamente pelos roteiristas.

E foi um retcon que fez com que começasse a me afastar dos quadrinhos de heróis. Embora quem fosse mais novo nos anos 90 não vejam isso, talvez pela memória afetiva, essa década marcou uma queda abismal na qualidade dos argumentos e até da arte das HQs da época.
Saga do Clone: Lamentável

Então, me chega algum arrombado e lança uma ideia que depois ficou conhecida como uma das piores fases do Homem-Aranha. O leitor mais familiarizado já sabe do que estou falando. A infame Saga do Clone.

Aquilo era de um mau gosto, de uma falta de criatividade que ficou difícil acompanhar. Mas a cereja do bolo estava por vir. No final jogam na nossa cara a ressurreição do Duende Verde com uma desculpa mais esfarrapada do que desculpa de marido pego pela mulher flertando no Zap.

Aquilo foi demais. Vi que ali era meu ponto e desci do ônibus dos heróis.

Desisti dos quadrinhos? Que nada!

A Saga do Clone foi um ponto de mudança. Percebi que os quadrinhos de heróis não tinha muito mais a oferecer para mim que havia crescido. Ao abandonar esse filão conheci as HQs Europeias, os Mangas, os Fumetti e os quadrinhos underground. Nomes como Moebius, Uderzo, Ryoichi Ikegami e Gilbert Shelton se tornaram familiares a mim, o que deixou minha experiência em quadrinhos muito mais rica.

Isso não quer dizer que vez ou outra eu não dê uma olhada no que rola no universo dos heróis, mas só pra confirmar que, salvo algumas exceções, não perdi muita coisa.
Quando Decidi Abandonar os Quadrinhos... Quando Decidi Abandonar os Quadrinhos... Reviewed by Tulio Roberto on 12/11/2019 02:13:00 PM Rating: 5

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