Sexta de Fliperama



Estava contente aquele dia, era dia de pagamento e tinha acabado de passar no caixa eletrônico pegar meu suado dinheirinho. Como era Sexta-Feira dei aquela desviada costumeira no roteiro geralmente feito na saída do trabalho. Era dia de jogar aquele fliperama básico.

Eram os primeiros anos de minha vida de casado e, sabe como é, a gente meio que resiste a largar velhos hábitos de solteiro. Confesso que já não ia ao Chileno, o meu fliperama favorito, com a mesma frequência de tempos passados. Com o eventual avanço tecnológico dos consoles, a chegada da internet e os emuladores, o negócio de fliperama já havia entrado em decadência.

Frequentar um fliperama era uma experiência parecida com a dos bares e pub’s. Seus frequentadores costumeiros acabavam por se conhecer e criar uma pequena comunidade, amizades duradouras foram formadas ali. E no Chileno, não era diferente. Cumprimentei o proprietário e comprei as costumeiras três fichas.

Durante muito tempo aquelas fichas de metal foram meu passaporte para os jogos eletrônicos. Comecei a frequentar fliperamas em meados dos anos 80. Sem dinheiro para os caros consoles, a alternativa era jogar os árcades. No princípio, eram as máquinas instaladas em bares, mas logo surgiram os estabelecimentos “especializados”, os fliperamas. E um dos mais conhecidos em minha cidade era o Chileno, no centro. O lugar não tinha letreiro algum, nenhuma identificação de sua atividade. Então, só se sabia do que se tratava quando se passava em frente e via as máquinas de jogos, com o tempo o lugar ficou conhecido como Chileno, devido à nacionalidade de seu proprietário. Na verdade, acho que poucos sabiam o nome dele. Eu mesmo nunca soube. Como os bares, o fliperama também não tinha uma boa fama entre os pais, mas a gente não ligava.

Com as fichas em mãos, dei aquela olhada pelo lugar cheio de máquinas que exibiam os anos de uso em seus gabinetes de madeira gasta e com pintura descascada. Marcas de queimadura perto dos botões, causadas por cigarro eram comuns. Havia algum tempo que percebera a redução do número de frequentadores, a molecada não se interessava mais por games 2D e máquinas pinball, as lan houses eram a bola da vez.


Além do Chileno o local tinha seus personagens, o Mano Heave Metal (tenho costume de apelidar as pessoas que eu não sei o nome, mas tenho algum contato) um cara alto dono de uma longa cabeleira lisa até a cintura, e camiseta do Slayer, sempre acompanhado de sua namorada, uma morena linda que era o capeta no Super Street Fighter. Tinha a galera do Magic, Elder e seu irmão que não lembro o nome, o Belmiro e o Marcondes. Essa galera tinha uma loja onde vendiam boosters de Magic the Gathering e outros card games. E sempre que podiam iam jogar algumas fichas no King Of Fighters.

Três fichas. Sempre comprava essa quantidade. Um velho costume, de uma época menos favorável. Fiz o roteiro de costume, uma partida de Street Fighter Zero 3, a segunda, era partida garantida no Metal Slug X e sempre reservo a terceira para uma experiência nova, um jogo que não sou bom (se é que já fui bom em algum) ou não conheço. Nessa época já haviam aparecido aqueles gabinetes com um PC em seu interior, rodando Línux e carregando o MAME com centenas de ROM’s. Já tinha algum tempo que a terceira ficha ia nessas máquinas.

Fiquei mais algum tempo perambulando pelo ambiente. Vejo uma partida aqui e ali. Hora de ir pra casa, senão a patroa pega no pé. Passo pelo Chileno e me despeço com um aceno de cabeça. 

Essa foi a última vez que estive lá. Por vários motivos, não tive oportunidade de jogar minhas três fichas. Depois de algum tempo, passava de carro pela quadra onde o fliperama funcionava e levei um pequeno choque quando vi salão ocupado por uma loja de confecções femininas. O último fliperama do centro da cidade se fora, e com ele uma parte da minha juventude….
Sexta de Fliperama Sexta de Fliperama Reviewed by Tulio Roberto on 9/13/2019 07:52:00 AM Rating: 5

2 comentários

  1. Tempo bom. As maiores conquistas são suas memórias.Por tanto, trate de guardar-las com muito carinho.

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    1. Muito obriga. Fico feliz que gostou. E sim, devemos sempre guardar com carinho nossa boas memórias.

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