Braço Ferido

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A caixa nem pesava tanto, mas quase deixei cair quando senti a fisgada no meu ombro direito. O gemido de dor foi inevitável. Quando Ricardo perguntou se estava tudo bem, apenas disse que tinha pegado a caixa de mau jeito, que não era nada.

Já faz um tempo que meu ombro direito dói. Sabe como é, a gente vai empurrando com a barriga. Acho que só vou no médico quando não conseguir mexer o braço, mesmo. De um tempo pra cá, a dor tem se espalhado pelo ombro também. Acho que o músculo tá inflamado. Vou ao meu armário e engulo a seco um comprimido de analgésico. É o segundo do dia, ou terceiro, sei lá.

O dia vai passando.

Vez ou outra o ombro dói com algum movimento descuidado, não deixando me esquecer dele. Outro analgésico. O trabalho segue.

Fim do expediente, pego o ônibus pra casa. Não tem assento livre. No chacoalhar do veículo, meio cheio, saco o celular, não posso usar durante o trabalho. Vejo as notificações do Face, Insta e Zap. No Facebook, uma imagem me chama a tenção, postagem de um colega. Era um daqueles memes com a foto do Chapolin Colorado.




Acho graça porque é a mais pura verdade.

O ônibus freia bruscamente, o braço direito parece que pegou fogo tamanha a dor gerada pelo esforço de me segurar para não me estabacar no chão ou sobre os outros passageiros. Preciso mesmo ir ao médico ver isso....

Quando desço do transporte dou uma girada no ombro, na esperança de botar alguma coisa no lugar e ver se a dor diminui. Em casa, tudo como sempre, as crianças me abraçam e contam sobre a escola. Minha esposa fala sobre seu dia enquanto prepara a janta. Também falo sobre o meu, menos sobre meu braço direito, que massageio de vez em quando. Se falasse, ela ia me atazanar até conseguir que eu fosse ao médico.

Depois da janta, o básico, Jornal Nacional e novela.

Logo, estamos todos nos aprontando para dormir. O braço dói um pouco, menos do que durante o dia, ainda bem.

Estou deitado na cama, minha esposa já está dormindo. Na penumbra do quarto iluminado apenas pela luz do poste da rua que entra pela janela entreaberta, vejo uma pequena sombra.

“Pontual, como sempre.” - Penso.

Sem dizer uma palavra, minha filha de cinco anos, engatinha sobre a cama até chegar perto do meu rosto.

-Pai, não quero dormir sozinha….

Sua voz está cheia de súplica, não consigo resistir.

Me ajeito na cama ficando de barriga pra cima. Ela já sabe o que fazer, se aloja no espaço entre eu e minha esposa. Abro o braço direito e ela acomoda sua cabecinha sobre o meu bíceps inflamado, que reclama de imediato. Ignoro a dor. Ela joga seu bracinho sobre meu peito e eu faço um carinho em sua mão delicada.

Ela responde com um “eu te amo, pai” já com uma voz carregada de sono.

- Também te amo, princesinha.

Não demora muito e estamos os dois dormindo, ela só vai sair de cima do braço quando eu acordar, no dia seguinte.

Acho que esse braço nunca vai sarar.

Braço Ferido Braço Ferido Reviewed by Tulio Roberto on 7/09/2018 10:00:00 AM Rating: 5

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